A difícil e desnecessária 2ª temporada de 13 Reasons Why

Spoilers leves a frente, continue por sua conta e risco

Quem é antigo por aqui deve lembrar de minha empolgação com a adaptação do livro 13 Porquês (13 Reasons Why) para uma série pela Netflix. A despeito das minhas reservas com algumas mudanças realizadas na adaptação e, principalmente, por ter considerado a cena do suicídio de Hannah desnecessária, forte e um desserviço, eu gostei da série e indiquei aqui.

Meu discurso é que é sempre importante mostrar como o bullying acontece e como ele passa despercebido de todos que não o sofrem – algumas vezes porque é mais simples negar, outras porque de alguma forma a pessoa também tem papel ativo no assédio à outra pessoa. Além disso, como eu disse na época, a adaptação da série permitiu demonstrar que nem sempre essas pessoas que negam ou ignoram o que acontece sabem o efeito que isso causa nos demais e, ao mostrar o quanto alguém pode sofrer por causa disso, poderia funcionar como um alerta, como um despertar para estas pessoas na vida real.

Quando a série chegou ao final eu não esperava por uma renovação. Melhor, eu não achava uma renovação necessária (ainda mais porque a série e livro tinham concluído aquela história), mas achei que ela viesse por conta do sucesso não somente de crítica e público, e porque a série acabou muito falada pelos efeitos positivos que teve em trazer o assunto à tona e no aumento das buscas por ajuda por adolescentes em crise.

A segunda temporada chegou e a ilusão de que a mensagem inicial dos atores, antes do primeiro episódio, falando para que quem estivesse com problemas deveria buscar por ajuda, significasse que veríamos mais sobre ajuda e melhora se desfez muito rapidamente. A segunda temporada, ao contrário do livro que a originou e do tom da primeira temporada nos demonstrando os vários tons de cinza que representam as relações humanas, resolveu “brincar” de vilões e bandidos. A esperança deu lugar a certeza de que nada pode melhorar e, sinceramente, essa é uma mensagem que não vale a pena ser disseminada.

Mas estou me adiantando, já que talvez a péssima qualidade dos primeiros episódios sirva para impedir que a pessoa tenham esse mesmo sentimento que o meu.

Ela começa pouco tempo depois do final da anterior, os adolescentes tentam seguir com sua vida, Justin está desaparecido, Alex e Jess estão voltando para a escola e Clay namora Skye. E vê o “fantasma” de Hannah (não exatamente um fantasma, mas sim a projeção de uma Hannah que ele acredita corresponder a amiga). O tempo todo. A primeira de uma série de péssimas decisões. Ao invés de usar a participação da personagem apenas nas cenas em flashback temos aquela presença constante, que nada acrescenta e que torna Clay um marionete do que ele acha que a amiga queria.

Pior, apesar da constante presença de Hannah – seja nas cenas do passado, seja seu fantasma -, a segunda temporada consegue ignorar completamente a personagem no sentido de “cuidado”. Ela vira uma peça que move as tramas cada vez mais vilanescas, mas em pouquíssimos momentos recebe empatia. O julgamento da escola, do processo aberto pelas pais de Hannah, se torna uma forma de apontar o quanto ela buscou seu destino, ainda que boa parte do que foi dito fosse mentira (que nós, os bem intencionados, assumimos como mentira, mas que alimenta o discurso de quem desculpa o comportamento de quem pratica o bullying, pior, até mesmo de rapazes que acham ok violentar suas colegas).

O único momento em que conseguimos enxergar um pouco de quem ela realmente era e do quanto sofria é quando algum de seus poemas é lido.

Não sabemos, no livro ou na primeira temporada, qual era o verdadeiro objetivo de Hannah com aquelas fitas: ela queria que os culpados repensassem suas ações? Sempre foi o que acreditei. Só que nesta nova interpretação elas se tornam instrumento de vingança, seja difamando e complicando a vida de quem está em alguma fita, seja motivando os demais, os arrependidos, a buscar uma forma de justiça para a amiga morta.

Justiça que, destaco, nunca chega. Os episódios que marcam o final da temporada são ainda mais deprimentes e desesperançados. Não consigo imaginar outros adjetivos para o que acontece.

O que dizer então da revelação de que Hannah foi autora de bullying na escola em que estudava anteriormente? Lembram que eu falei do perfil vilanesco da temporada? Pois bem, na verdade o roteiro tenta se manter isento e não apontar culpado nenhum, todo mundo teve motivos para fazer o que fez, só que ninguém é inocente também, então ele precisa ir fundo em todos os atos errados de todos. Não existe perdão enquanto todo mundo anseia por ser perdoado.

Até mesmo o amor que enxergamos em Clay acaba eclipsado porque o que o move é a culpa e raiva. A Hannah que ele vê serve como desculpa para suas ações, suas escolhas – ele escolhe, mas não é responsável porque ele acha que é o que Hannah queria, dá para imaginar? Para piorar ele chega a dizer para esta Hannah que o que ela fez ao tirar sua própria vida foi algo diabólico. Pior: a Hannah da cabeça dele dá razão para ele falar isso. Imagine alguém que está deprimido e pensa nisso vendo isso na tela?

Essa “relação” criada entre Clay e a Hannah de sua mente funciona como centro das tramas, talvez na tentativa de manter a dinâmica da primeira temporada, mas falha no que seria a mais importante mensagem que essa temporada poderia ter: mostrar como um adolescente lida com o luto ao perder alguém de forma tão dramática, como lidar com o sentimento de vida interrompida.

Na verdade em pouquíssimos momentos a série mostra uma forma saudável de lidar com tudo que aconteceu (a perda de Hannah, os estupros, a tentativa de suicídio de Alex, o sumiço de Justin, o bullying).

O episódio final é o menos ruim de todos, com a celebração de um memorial na igreja e Clay falando dela com carinho, com as conversas no café de forma mais sincera e esperançosas (apesar da verdade sobre Justin na cena anterior) e, finalmente, com o grupo se abraçando no baile e se apoiando.

Só que, para fechar com chave de ouro (no sentido “pior dos piores”), a cena final é o maior desserviço público ao sugerir que tudo bem um adolescente dar uma de herói e tentar parar um colega altamente armado e decidido a matar todos no baile na escola. Eu não consigo entender como uma cena assim foi aprovada considerando o cenário atual nos EUA com tantos atentados acontecendo. Não à toa algumas pais estão tentando suspender a série na Netflix por lá.

E eu acho que isso pode ser uma boa ideia.

Escrito por Simone Fernandes

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

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