The Big Bang Theory mudou. E isso é ótimo.

Dez anos, vinte e quatro episódios por ano. Isso é muita coisa, imagine inventar, inovar, continuar a surpreender e fazer rir durante todo esse tempo usando apenas um grupo de personagens passando por situações comuns (dentro do universo em que vivem). Não existe caso do dia a ser investigado, nem mistério elaborado para durar muito tempo.

The Big Bang Theory ainda tinha mais uma dificuldade: como fazer piadas baseadas em seu melhor personagem, Sheldon, se repetirem a exaustão sem perder a graça? Acho que esse era o maior medo dos roteiristas e dos fãs da série que colocava como personagens principais um grupo de rapazes nerds e uma garota loira, linda e não muito inteligente.

Quando tudo começou.

Ainda bem que os roteiristas não se ativeram a fazer isso, a explorar a inadequação de Sheldon ou a “burrice” de Penny até a última gota. Na verdade, The Big Bang Theory amadureceu muito e, ao contrário do que muita gente pensa, isso fez um bem danado para a série, que pode não mais arrancar gargalhadas do primeiro ao último minuto de cada episódio, mas tornou seus personagens menos caricatos e mais ricos e, com isso, conseguiu fazer com que fosse muito mais fácil nos identificarmos com eles.

Porque, não sei vocês, mas eu não sou uma nerd completamente isolada de assuntos “não nerds”, nem conheço garotas loiras que sejam simplesmente burras como o estereótipo diz que elas são. Tenho um primo que também escolheu a física teórica como opção de vida, mas ele também vai nas festas de família, curte meus posts no Facebook e dá risadas de piadas que podem ser entendidas por mais que meia dúzia de pessoas em uma sala.

Estereótipos são montados a partir de situações extremas, em que se pega o mais estranho ou negativo de um perfil de pessoa e o esgota, junta com outras características assim e coloca tudo em uma pessoa só. Ninguém é tão simples assim.

Nestes dez anos o grupo de amigos se deixou afetar por novas pessoas. O que eu quero dizer com isso é que eles se permitiram influenciar e acho que no mundo de hoje as pessoas tem muito medo disso. De deixar de ter razão, de admitir que mudaram de opinião, que estavam errados.

Raj aprendeu a falar com mulheres sem ter de estar alcoolizado, ele até conseguiu namorar mais de uma guria ao mesmo tempo!! Não foi de uma hora para outro, não foi artificial. Na verdade eu não saberia te apontar agora quando isso aconteceu porque ele mudou aos poucos, primeiro poque passou a conviver com a Penny, depois porque conheceu e se encantou pela Bernadette e a relação que ela e Howard conseguiram criar e, finalmente, porque se identificou com Amy e o sentimento que ela própria tinha de ser inadequada.

Leonard, aquele que poderíamos dizer que era a ligação dos outros três com o mundo real, o menor nerd, encarou perder a namorado depois de dizer eu te amo, tentou outras relações, se permitiu ser ridículo, conseguiu falar do quanto sentiu falta ao longo de sua infância de ter uma mãe e não uma psiquiatra 24 horas. E, por mais oportunidades que tivesse de abandonar Sheldon pelo caminho – e ele o fez passar muita vergonha – foi o melhor amigo que uma pessoa poderia ter.

Howard pode continuar sendo o mesmo cara esquisito na aparência – seu senso de moda é definitivamente diferente -, mas o número de piadas machistas caiu por terra. Ele encontrou em Bernadette uma companheira carinhosa e sincera. Ele enfrentou a perda de sua mãe, ele viajou ao espaço, mesmo morrendo de medo. Quantos de nós não tem de encarar o medo ao ter a oportunidade de realizar um sonho antigo?

Penny não conseguiu realizar seu sonho. Teve que encarar que um rosto bonito e saber atuar um pouco contam pouco quanto tanta gente quer a mesma coisa e sorte e oportunidade não chegam de maneira igualitária. Do outro lado, ela entendeu que também é inteligente, correu atrás da faculdade, conseguiu um emprego cujo salário lhe permite pagar as contas, perdeu o medo de se sentir menos que Leonard e até o pediu em casamento. E, ainda assim, como todos nós, tem dúvidas e fica triste, porque isso faz parte da vida, não é mesmo?

E, não resta dúvida, Sheldon foi o mais difícil de mudar, talvez por isso tenha sido o que mais mudou. Ele ainda tem seu jeito único de ver o mundo – e as especulações sobre se ele teria Asperger, Autismo ou algo similar são desnecessárias – e claro que nunca será igual ao Leonard, por exemplo. Mas ele encontrou uma forma de manter o que lhe deixa seguro e ainda assim permitir o novo. Ver a relação dele com Amy, do primeiro encontro até o pedido de casamento realizado no episódio final da temporada passada, foi doce. Não lembro de outra série, mesmo dramática, mostrar tão bem o que significa renúncia e troca em uma relação amorosa.

Agora eles são assim

Agora, mais que tudo, a série acabou se tornando uma série sobre amizade. Entre fins e começos de relações, festas a fantasia, perdas, mudanças de endereço, falta de grana, realização de sonhos, eles estão lá juntos. Sim, um já quis matar o outro e já houve quem tenha ficado sem se falar, mas isso também faz parte das relações de muito tempo, não é verdade?

Esse textos estava entre os meus rascunhos há mais ou menos um mês, quando um post no Tumblr chamou minha atenção. A pessoa em questão estava triste porque Sense8 havia sido cancelada e disse que sua decepção se dava principalmente porque The Big Bang Theory estava no ar há dez anos com uma loira burra e três homens brancos fazendo piadas machistas e sem graça.

Ainda que não seja tão inclusiva quanto Sense8, hoje TBBT passa longe de ser o que a pessoa escreveu em seu texto e acho uma pena que muita gente ainda a veja assim, em contrapartida sei que bastante gente hoje a acha sem graça e a abandonou porque ela deixou de ser assim.

TBBT na verdade foi inclusiva para mim  e mais meia dúzia que não se via retratado pelas séries adolescentes/jovens que só tem pessoas lindas, sexys, magras e que frequentam as festas mais disputadas. Foi interessante ver um personagem de série querida, ao invés disso, falando o quanto se sente só ou como se sente mal por ter sofrido bullying na escola ou quando as garotas não olham para você. Pessoas que colecionam coisas de seus personagens favoritos, ainda que não tenha sentido, e que poderiam passar horas e horas falando de filmes, livros e séries.

Além disso, a entrada de Bernadette e Amy, além das várias personagens recorrentes de amigas e namoradas do grupo – a menina nerd, a garota gótica, a garota descolada – ampliaram a forma como garotas são retratadas na TV. Ver dois personagens apaixonados por Bernadette, a despeito dela ser baixinha e invocada, ou Amy tendo seus encontros, ainda que seu senso de moda possa ser questionado por muitos, bem como os assuntos de que fala, foram conquistas para uma série que poderia ter aceito ficar sendo a mesma até que a audiência caísse tanto que seria cancelada.

Do episódio que encerra a décima temporada ficam, abaixo, os GIFs da cena muito querida em que, com Amy fora da cidade, o grupo de amigos “protege” Sheldon dos avanços de uma aluna apaixonada por ele – e falo proteger porque, mesmo mudado, Sheldon ainda tem dificuldades em identificar comportamentos humanos. Ansiosa pela próxima temporada!!!

        

Escrito por Simone Miletic

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

1 comentário


  1. Amei o texto! Quase larguei tbbt anos atrás. Estava me soando sem graça, repetitiva e machista. Nas duas (acho – talvez três) últimas temporadas, os roteiros reencontraram um bom ritmo e voltou a ser uma série que me faz ficar contente ao fim de cada episódio. Seu texto esclarece a razão: os personagens cresceram. É bom demais ver amigos crescendo, evoluindo, aprendendo, e é melhor ainda passar por essas mudanças junto com eles, ainda que seja na ficção. 🙂

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