Grey’s Anatomy e a trama em que Shonda nos manipulou

Eu mudei o título deste texto mais de uma vez. Manipular os sentimentos dos telespectadores não é errado em si, nas verdade um bom escritor tem que fazer isso: ficamos apaixonados pelos personagens, torcemos por suas vitórias, sofremos por suas perdas.

Só que tem vezes em que isso é usado de forma torta, errada e é dessa forma de manipulação que eu queria falar aqui.

Como devem ter percebido (ou eu espero que tenham), eu parei de escrever sobre Grey’s Anatomy no episódio 18. Isso foi porque eu já sabia o que o episódio 21 traria, graças a um spoiler do qual não consegui escapar, duas semanas antes disso e já havia me irritado muito com o rumo que a história estava tomando.

Olhando lá atrás, desde o comecinho da série, precisamos admitir que por mais que Patrick Dempsey seja gato, seu cabelo seja lindo e que o Derek que ele interpretava fosse inteligentíssimo e sedutor, a gente sempre tinha um pé atrás com o personagem.

Assim como era charmoso ele era egoísta e arrogante. E fico aqui pensando que foi uma ótima construção do personagem, já que pessoas de sucesso na medicina, e em vários outros setores, tem mesmo que ter essas características para irem mais longe.

Apesar de eu adorar pessoas com “humanidade” à flor da pele, a verdade é que tem horas em que isso acaba atrapalhando mais que ajudando.

Fato é que ele e Meredith conseguiram uma relação sólida não somente porque ela deixou de lado várias coisas que carregava por conta da mãe, mas porque ele sempre foi a parte mais importante da relação – lembram do “me escolha, me escolha, me ame”? – e porque ela o admirava demais.

Então tinha amor sim, muito, da parte dos dois, mas para a equação funcionar um tinha que ser mais e o outro tinha que ser menos. Não estou dizendo que seja errado porque, aqui entre nós, relações só funcionam com equilíbrio e cada um sabe de sua vida e das concessões que faz para que elas funcionem.

Quando Meredith resolve ficar em Seattle e pela primeira vez fala que algo é mais importante que seguir o marido em seus sonhos, esse equilíbrio deles se quebra e é natural imaginar que as coisas não funcionariam mais.

Não é porque seria uma relação a distância de duas pessoas que trabalham muito, mas porque Meredith ao se dar importância não só prejudicou o equilíbrio como se permitiu olhar de outra forma e porque deve ter sido bem difícil para um cara como Derek engolir ficar em segundo lugar.

Se existia amor, bem, eles poderiam consertar isso, mas ia dar uma trabalheira sem tamanho, não ia ser um acerto para poucos episódios, talvez nem mesmo para uma temporada.

Corta para a vida real: na última negociação de contrato de Patrick Dempsey e Ellen Pompeo ambos aceitaram permanecer por mais duas temporadas, respectivamente as temporadas 11 e 12.

Eu imagino que tenha sido uma negociação difícil, ambos já estão um tanto cansados de interpretar os mesmos papéis e do nível de dedicação que uma série exige. Do outro lado, produtores e canal querem manter a série no ar a qualquer custo porque ela ainda tem uma audiência excelente e tinham acabado de perder Sandra Oh.

Então muitas coisas devem ter sido pesadas e uma das concessões feitas ao Dempsey foi que ele teria mais tempo para sua família e, principalmente, para as corridas de carro que adora participar.

Essa concessão pode ter orientado a ida de Washington para Derek, mesmo sem a esposa, pois assim ele não precisaria participar de todos os episódios e eu acho que até seria razoável, considerando isto e o que eu falei acima de trabalhar o tal casamento a distância.

Só que, dizem as más línguas, que o ator começou a se sentir realmente “uma estrela” e começou a dar trabalho mesmo para filmar as poucas cenas que precisava.

Também dizem essas más línguas que Shonda não costuma engolir muito bem quando algum de seus atores começa a agir desta forma. Dizem que depois do episódio envolvendo os atores que interpretavam Burke e George, inclusive, ela fez a promessa que nunca mais aceitaria que os atores não priorizassem suas séries.

Bom, se você somar dois mais dois dá quatro, se você somar um ator “estrela” e uma produtora/roteiristas que acha que sua obra é mais importante dá encrenca na certa e um dia Shonda achou que tinha aguentado demais e resolveu dar um jeito nisso.

E, no caso dela, jeito normalmente inclui morte, sangue e sofrimento.

Só que, pense aqui comigo, que impacto teria sobre a audiência se, por exemplo, apenas descobríssemos que Derek pulou a cerca em Washington e ele e Meredith se separassem? O que poderia até parecer um horror para algumas pessoas que acham que casamento é para sempre, poderia ser um caminho natural se a produtora não levasse as coisas para o lado pessoal.

Também não teria o mesmo impacto se Derek, o arrogante que largou a esposa para seguir seu sonho, morresse num acidente de carro ou avião a quilômetros de distância. Meredith e o pessoal do hospital ia sentir bastante, os fãs, iam sofrer com a protagonista, mas acho que não muito mais que isso.

Então qual é a decisão que poderia causar mais impacto? Reconstruir o personagem e só então matá-lo.

E é isso que vemos do episódio 17 a 21 desta temporada: Derek larga o emprego dos sonhos, diz não para o presidente, tudo por amor à sua esposa. Ele declara não conseguir viver sem ela e até aceita um cargo menor, trabalhando para sua irmã – nunca que o ego do Derek dos 10 anos anteriores iria aceitar isso e não, não dá para mudar tanto passando uns meses fora – tudo para poder ser recebido de volta à sua família.

Foram episódios de Derek sorrindo o tempo todo, declarando amor a esposa o tempo todo, querendo um novo bebê, dando conselhos para a irmã caçula. O homem perfeito voltou de Washington, senhoras e senhores.

Observação: Lembrar de mandar meu marido para Washington por uns meses para ver se ele volta melhorado.

Ele se despede da esposa de manhã falando que é para ela esperá-lo e segue para formalizar sua demissão. Salva todo mundo de um acidente de carro dos mais idiotas, do qual ele escapou por centímetros – precisa garantir o drama -, ele fala sua frase favorita, ele conta a todos como ama sua esposa enquanto a ambulância não vem e ainda explica aos paramédicos que chegam tudo que eles precisam fazer para garantir que tudo fique bem.

Aí vem um carro e atropela ele. Mais: com um centro de trauma a poucos quilômetros de distância ele acaba jogado em um hospital menor aonde todos, TODOS, não tem a mínima ideia do que estão fazendo.

Tudo isso só para você se apaixonar por ele e, então, a Shonda passar com um carro por cima dele.

Cara, ver Shonda fazendo isso episódio a episódio e já sabendo o final foi torturante, foi como se a cada episódio ela me chamasse de trouxa. Chance zero dela me convencer de que aquele homem havia realmente mudado.

Eu imagino que para quem não sabia do que viria a coisa deve ter sido bem doída no episódio 21. Quem se convenceu ou quis acreditar de verdade nesse circo todo.

Claro que eu sofri. Sofri pela Meredith. Sofri porque, depois de tudo, ainda fizeram com que ela tivesse que desligar os aparelhos, ela tivesse que assinar os documentos. Sofri porque ela definitivamente merecia mais que isso

E aí o que eu conseguia pensar era: por que não acabou com a série quando a Sandra Oh saiu? Por que gente?

Sim, eu sei, vocês vão me falar da audiência, mas eu só consigo pensar que eu prefiro entregar um trabalho menor, mas muito bem feito, do que entrar no automático e dar váris bolas foras só para garantir o salário do mês que vem, viu?

Grey's Anatomy Great Day To save A Life Derek Meredith 11x21 s11e21

P.S. Dizem que o próximo episódio, duplo, é lindo, mas eu já estou aqui de má vontade, porque a não ser que Cristina venha consolar sua melhor amiga, nada vai encaixar direito, sabe?

Escrito por Simone Miletic

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

5 Comentários


  1. perfeito texto… a cada novo episódio eu fico esperando o anúncio do fim da série, isso desde que anunciaram a saida da Sandra Oh… Triste ver uma série tão boa, indo no mesmo caminho de outras que se acabaram por ter sido alongada!!!

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  2. A Luciane adora aquele filme, Cidade dos Anjos, em que quando o anjo vira mortal ele morre. Este filme me dá raiva!

    Se alguém morresse na vida real como o Derek morreu seria aleatório demais. Talvez seja isto mesmo. Deus não exista, ou Deus seja gozador, ou tenha algum tipo de carma aí que desconheçamos.

    Mas da minha ficção eu espero mais. O showrunner-Deus não pode brincar com a obra. Concordo com você, foi uma grande decepção.

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    1. A vida é muito aleatória mesmo. Você acabou de falar com uma pessoa, ela está ótima e tal, e no dia seguinte ela está morta. Acontece o tempo todo.

      Eu adoro/odeio Cidade dos Anjos, em doses iguais.

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  3. “E, no caso dela, jeito normalmente inclui morte, sangue e sofrimento.” – ri muito nessa parte – e em outras. Adorei o post.

    Tive uma leitura completamente diferente dos episódios. Claro, quando Derek começou a melhorar, pensei que lá vinha tragédia. E o fim do episódio 20 deixou isso tão claro que não considerei spoiler quando a coisa vazou (mas aqui no Brasil ainda estavam no 18, então foi sim uma puta sacanagem vazarem spoiler). Só que esse pensamento ficou lá no fundo da cabeça, e eu curti muito o Derek novo. Acho que você pode voltar muito mudada de uma situação-limite, e foi o que aconteceu com ele. Geralmente, essa mudança vai se diluindo com o tempo. Na série, não houve tempo pra essa diluição. Não me senti traída, nem achei que a mudança foi pouco convincente. Se ele sobrevivesse por mais tempo, óbvio que brigaria com a irmã, com a Meredith e as coisas desandariam. Mas, por algumas semanas, ainda sob o impacto de quase ter perdido o casamento, achei natural que ele tivesse vestido as “sandálias da humildade”.

    Então, sim, houve manipulação, mas acho que aconteceu dentro do razoável, e foi escrita com certa decência.

    A morte foi besta, mas isso acontece todos os dias – médicos que não sabem o que estão fazendo e matam o paciente em vez de salvá-lo.

    O que mais me doeu nesse episódio, e passou batido pra quase todo mundo com quem conversei sobre a série, é que a Meredith está sozinha. Absolutamente sozinha. Isso me emocionou muito mais que a morte em si.

    Os episódios seguintes são meio estranhos. O duplo – último – é realmente muito bom. Acho que a tua má vontade passa até lá…

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