Opinião: Felizes Para Sempre?

Quando escrevi meu texto sobre os dois primeiros episódios de Felizes Para Sempre? a minissérie derrapava em sua audiência. Pois bem, o furacão Paola Oliveira pelas redes sociais parece ter sido motivo o bastante para mais pessoas terem dado uma chance para a produção em horário tardio.

Tanto que ela encerrou sua história com excelente audiência para seu último episódio, superior a novela Boogie Oggie, colega na grade do canal, ainda que não tenha batido os números da minissérie Amores Roubados – que passava mais cedo e que era precedida de uma novela de maior audiência que a atual novela das nove.

Mas se as pessoas foram levadas a dar uma chance por conta de Danny Bond, acho que ficaram pelas várias outras qualidades da minissérie, uma ótima maneira da TV Globo iniciar o ano.

Se as atuações foram excelentes – e comprovam o quanto uma direção acertada faz diferença, seja qual for a produção, e é capaz de fazer brilhar mesmo atores inexperientes -, foi a trama amarrada, a narrativa bem definida e os riscos corridos que garantiram, na minha opinião, o sucesso.

Ao longo dos vários episódios vimos a imagem de família feliz dos Drummond quebrar-se em todos os sentidos: o casal feliz formado por duas pessoas tão diferentes quase não sobrevive a mesmice dos 46 anos juntos e ao retorno de uma antiga paixão; o casal que aparentemente sobreviveu a pior das tragédias, a perda de um filho, não é capaz de sobreviver ao egoísmo; o amor capaz de fazer um casal se separar porque não enxerga um futuro juntos se torna posse, violenta e doentia; e o casamento da mulher devotada e o homem apaixonado não é capaz de sobreviver a mentira.

Ouvi e li muita gente falando sobre traição, mas acho que a principal mensagem de Felizes Para Sempre? É que ela é o menor dos problemas. Na verdade, em cada um dos exemplos dados pela minissérie, a traição é apenas um sintoma de doenças muito piores. Um sintoma de que o amor já não está mais ali.

Ainda, em meio a imagens de uma Brasília belíssima, ainda que mostrada fria em muitas cenas, talvez para ressaltar a falta de amor de suas histórias, eram os diálogos que nos prendiam a telinha – fosse para rirmos de algum absurdo bem com cara de dia a dia, fosse para nos assustarmos com a densidade ou força de diálogos carregados de ressentimentos.

Finalmente, mas com certeza não menos importante, a rica construção de cada um dos personagens. Porque de perto ninguém é normal, muito menos é santo.

Sim, existiram escorregões. O filho de Tânia podia ser de outro homem que não do Cláudio que todos nós já odiávamos; a namorada mais velha do garoto não precisava ser mais uma que apenas se aproveita do sistema; e o final de incerteza – quem realmente matou Danny? – pareceu desenhado para que tivéssemos certeza de que ninguém ali seria feliz, mas acabou também nos deixando com a sensação de incompletude.

Felizes Para Sempre? Cláudio Drummond Enrique Diaz

Enrique Diaz, no papel do odioso Cláudio, sem sombra de dúvida foi o maior destaque da minissérie. O tom constante do personagem, em que os próprios interesses estão acima de tudo e que consegue encontrar justificativa para qualquer ato, mesmo o mais bizarro, acabou sendo o contraponto interessante para a cena final: até o último episódio é apenas Danny que consegue fazer com que Cláudio tome decisões impensadas – claro que o fato dele se achar intocável torna isso mais perigoso – e é por causa dela que ele pega uma arma em pleno enterro de seu pai.

Mas ainda ali o tom de paixão é disfarçado pelo fato dele acreditar que foi ela que tramou com o advogado dele o desvio de sua fortuna e a entrega do dossiê sobre as obras de arte no nome de Marília. Seria Cláudio capaz de simplesmente matar por amor?

Felizes Para Sempre? Marilia Maria Fernanda Cândido

Outro destaque vai para a Marília de Maria Fernanda Cândido: de fala baixa, gestos contidos, constante olhar melancólico, a mulher aparentemente feliz no casamento não consegue esconder do observador mais cuidadoso a verdade sobre seu vazio. O problema é que ninguém olha tempo o bastante para perceber isso.

Quando a minissérie começa, Marília se sente invisível, é fácil perceber isso. Além disso, é fácil perceber que ela teve uma criação que não lhe permite olhar “além da própria janela”. Algumas vezes a sensação é que Marília não se separou do marido, não teve um caso, porque ela simplesmente não achava que essas opções existissem. Ela simplesmente não as via.

Então foi fácil para ela se apaixonar pela Denise, o lado oculto de Danny Bond, e se entregar a essa paixão da mesma forma que havia se entregue ao casamento no passado. Ela é invisível até para ela mesma, não é verdade?

Felizes Para Sempre? Danny Bond Marilia Cláudio Drummond Paola Oliveira Maria Fernanda Cândido e Enrique Diaz

E a união de duas pessoas assim, uma incapaz de enxergar qualquer outro e outra incapaz de enxergar a si mesma, com uma terceira que carrega em impetuosidade e inconsequência, bem, não poderia dar certo. Denise quer imensamente ser feliz e por um momento eu acho que ela realmente amou a Marília, mas ela jamais teria coragem de dar o salto completo que a outra exigia, por isso continuou mentindo.

Então a minissérie se encerra com o único destino possível por conta das escolhas de Danny. Ela acaba morta e seus dois últimos “amores”, um representando o dinheiro e o poder e o outro representando a felicidade inocente, o amor puro, carregando armas. Quem a matou? Eu gostaria de acreditar que foi Cláudio, porque assim, quem sabe, Marília conseguiria para si um outro destino.

Isso se existe para ela outro destino possível.

Não sei se alguém notou, mas Marília se aproxima de Danny sem a arma em suas mãos. E então se entrega a dor, enquanto Cláudio lhe aponta uma arma. Na verdade, ele já a matou ali, ainda que a polícia tenha impedido o tiro de misericórdia.

Finalmente, meu único senão: a Norma de Selma Egrei. A cada aparição da personagem na minissérie eu ficava querendo mais. Quem é realmente essa mulher? Temos um vislumbre de quem ela foi jovem, manifestante, mas tão pouco de quem ela é hoje. Ela acaba parecendo tão anulado pelas histórias de seus filhos e de seu marido, como se ela fosse apenas conduzida pela vida, fosse apenas figurante da vida destes.

Mas os poucos diálogos de que participa me pareceram tão ricos. Quando ela é visitada pela amante do marido e lhe fala que ela não é obrigada a ouvi-la eu fiquei arrepiada. Porque não era mesmo, por que ela teria que aguentar até mesmo isso?

Eu realmente fico com o sentimento de que não tive o bastante de Norma.

Felizes Para Sempre? Norma Selma Egrei

Escrito por Simone Miletic

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

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